Espinho, 1995
eu queria dormir acompanhada
daquele amor mais terno e mais sereno
daquele amor sem pingo do veneno
que de ciúme nos traz a vida envenenada
eu queria dormir profundamente
abraçada contigo docemente
como naquela primeira madrugada
oh meu amor, onde andas tu que não te sei
adormecido talvez num outro ombro
tão longe que me deixas tão sozinha
amor, vem ter comigo, a vida é breve
(eu não me esqueço, amor que não se escreve)
e se sonhar contigo for a única maneira
de te trazer para ao pé de mim a noite inteira
então dorme, querido
e não me acordes
porque hoje a noite é minha
não me acordes
Olha, quero ir. Quero tudo. Sinto-me escorregar
pela borda da cama, cair até ao fundo do mar,
afogar-me na espuma sádica da lembrança
de uma quinta feira queimada num cigarro
e num copo de Porto. E num corpo de mármore
tremendo no frio, gemendo no calor. Morto, enfim.
Não, não penses que me esqueci. Nadavas. Mentira,
era eu que nadava. Por entre as algas e a nafta
e os peixes mortos boiando na espuma amarela
daquele mar civilizado.
Sem mais nada para escrever, tudo cá dentro.
Há quanto tempo! Cantámos. Fizemos amor. Os dois. Os vinte.
Tu amas-me? Não, não quero mais vinho. Beijei-te. Eu lembro
-me. Tinhas medo?. Eu tive. Quando o chui chamou o meu nome
e o rádio explodiu. Depois deixaram-nos passar.
E os degraus ainda estão lá, cheios de pó e de pontas de
cigarros afogadas em leite.
Escuta... bate. O meu coração rebentou como uma granada.
Fiquei presa pelos cabelos. E tu dormias. Nu.
Que sede esta me estrangula os olhos e me tira
a serenidade que plantaste em mim, ainda ontem...
corri pelo mar dentro e estavas lá
no infinito tocável como a música que respiro
tu sabes
vivo contigo
neste quarto escuro
que é a minha vida a sós
sofres-me cá dentro, de vez em quando
Obsessão: as rosas são verdes. Levanta os braços.
Cospe. Musgo negro que pintas o mar. Solavancos
e flores. Morte e café. São horas. A camioneta é
às sete. Podemos entrar? Acendo a luz. Tens um
belo corpo. E visto-me. Querendo agarrar-me aos segundos.
Teu cabelo, teus olhos, tua luva de sal e vodka. Fumo.
Vejo. Mãos mortas, no calor flutuante do quarto da
Teresa. Choras e gemes. Beijo-te. Sorris. Tens medo.
Para quebrar as portas são precisos punhos fortes.
Obsessão: o tempo parou. Falas no sonho.
Queres falar, mas não sabes. Soltas grunhidos
frustrados, lentos demais.